Coluna

Fundos de Private Equity + Esporte. Por que esse match dá jogo?

O interesse "repentino" dos grandes fundos pela indústria esportiva no mundo todo

Fundos de Private Equity + Esporte. Por que esse match dá jogo?

03 de junho de 2024

6 minutos de Leitura

OutField
OutField
Grupo focado em investimentos, inteligência e estratégia para esporte e entretenimento.

Por Pedro Oliveira – Sócio-fundador da OutField

Nos últimos 5 anos acompanhamos um fenômeno sem precedentes no mercado esportivo global: o crescente apetite dos fundos de private equity para investimentos em ativos esportivos. Para dar noção dos movimentos ocorrendo no mundo todo, 51% das franquias de NBA, MLB, MLS e NHL (62 franquias dentre um total de 121 existentes) receberam algum investimento institucional nesse período, com grande destaque para os fundos de private equity.

No Brasil, o interesse também existe, exemplificado pela aquisição do Coritiba SAF pela Treecorp, um fundo de private equity com aproximadamente R$2 bilhões de ativos sob gestão.

O que explica esse interesse “repentino” dos grandes fundos de Private Equity pelo esporte no mundo todo?

Em primeiro lugar, olhando para a realidade desses fundos globalmente, o capital disponível para alocação mais do que dobrou na última década, indo de $2,1 trilhões de Euros em 2013 para $4,6 trilhões de Euros em 2023. Portanto, como o trabalho desses fundos é injetar esses recursos em ativos com boa margem de crescimento e risco operacional mitigado, onde acabaram encontrando ativos com essas características? Sim – no universo esportivo.

Em segundo lugar, como acontece em setores mais tradicionais da economia global, o mercado esportivo apresentou marcos regulatórios importantes que incentivaram a entrada desse novo capital no mercado. Se no Brasil tivemos a importantíssima aprovação da Lei das SAFs em agosto de 2021, nos Estados Unidos, a partir de 2019, pela primeira vez as grandes ligas começaram o movimento de liberar o investimento institucional em franquias, algo até então proibido e apenas possível para pessoas físicas. Neste contexto, também é importante entender porque nos EUA as ligas finalmente tomaram essa diretriz – afinal, o esporte americano passa nas últimas duas décadas por um período de crescimento muito acelerado, o que fez com que os times aumentassem suas receitas e, consequentemente, seus valuations.

Ponto positivo: os times passaram a valer muito mais, por exemplo hoje o valuation médio de uma franquia na NFL é de USD5,1 bilhões, enquanto na NBA esse montante está em USD4 bilhões. Ponto negativo: a liquidez de pessoas físicas para comprar participações nestes ativos é caso raro. Portanto, a soma destes dois fatores, fez com que as Ligas se sentissem compelidas a abrir as portas para os investidores institucionais pela primeira vez na história.

E como tudo na vida, a relação de causa e efeito se fez valer. A liga americana de baseball foi a primeira a realizar o movimento de abrir as portas para grandes investidores, sendo seguida por MLS em 2020 e por NBA/NHL em 2021. Naturalmente as Ligas estabeleceram uma série de condições para evitar conflitos de interesse, situações que inclusive poderiam ser estudadas por FIFA e UEFA para mitigar riscos similares em competições da UEFA, derivados da proliferação da presença de grupos MCO (Multi Club Ownership, como o City Football Group ou a Red Bull) no futebol europeu. Por exemplo: nenhum investidor institucional pode ser dono de mais de 20% das ações de alguma franquia e nos casos de NBA, NHL e MLS há um limite máximo de 4 franquias em que o mesmo investidor pode deter participação. Voltando à realidade brasileira, a Lei das SAFs também estabelece limites, permitindo que o mesmo investidor possua até 10% de participação em mais de uma SAF, sem limitações adicionais.

Como resultado disso, surgiram inclusive fundos dedicados a realizar esse tipo de investimento minoritário como a Arctos Partners, de longe o fundo mais ativo do mundo na compra de participações em organizações esportivas em diferentes contextos, tendo atualmente participações em 23 entidades esportivas, indo desde o Golden State Warriors (NBA) e o Los Angeles Dodgers (MLB), até Paris Saint Germain e Atalanta no futebol europeu, e Aston Martin na F1. Recentemente a própria Arctos anunciou o levantamento de um novo fundo de USD4 bilhões para seguir tracionando essa estratégia de investimentos.

O esporte como classe de ativo atrativa

Um ponto muito importante de destacar é que hoje o esporte ocupa um lugar importante na estratégia de grandes investidores institucionais, como CVC Capital Partners ou Silver Lake – os dois maiores fundos de private equity do mundo, com USD102 bilhões e USD201 bilhões sob gestão, respectivamente (presença dos dois no esporte no quadro abaixo).

Isso acontece por três principais razões:

1- Esporte está descorrelacionado da economia real: independente do PIB local ou global crescer em ritmo acelerado ou despencar, o esporte possui uma “blindagem” em relação a isso por conta da relação emocional que existe entre fãs e seus times/franquias do coração.

2- Relação monogâmica e recorrência: diferente de outros mercados em que há concorrência ferrenha entre empresas, no esporte se você é torcedor de um time/franquia, você permanece nessa relação por muito tempo e investe nela, sem risco de “dar churn”. Isso tem um valor incalculável do ponto de vista de negócios.

3- Valorização acelerada dos direitos de transmissão: num mundo de atenção pulverizada, o esporte ao vivo é um dos últimos territórios que consegue reter atenção do consumidor. Isso novamente tem valor incalculável, também para emissoras e plataformas de streaming. Por isso, temos visto uma valorização acentuada nos valores de negociação de direitos de transmissão na última década, como no caso da NFL que negociou um contrato de 11 anos, com diferentes parceiros de mídia, por USD110 bilhões. 

Pra onde vamos daqui?

No esporte americano e no futebol europeu a presença dos investidores institucionais e grandes fundos é cada vez mais comum, porém ainda há grande espaço para crescimento, a partir de investimentos em novas frentes e classes de ativos. Ligas, empresas de tecnologia, soluções para performance, veículos de mídia – todos que, de alguma forma, participam da cadeia de valor da indústria esportiva são alvos elegíveis para capturar o valor derivado dos três pontos descritos acima, logo, todos podem ser alvo destes investidores. No Brasil esperamos que o mesmo fenômeno seja cada vez mais presente, conforme o mercado se prove viável e se consolide na direção correta, com a formação de Ligas organizadas (ex: Liga brasileira de futebol) e clubes de futebol/entidades esportivas com governança e gestões mais qualificadas.

Por fim, nessa discussão toda, um último player permaneceu no modelo antigo até o momento – justamente a maior liga do mundo, a NFL. No último ano a discussão em torno da liberação para investimento institucional nas franquias de futebol americano aqueceu bastante, porém o Comitê da Liga criado para debater este tema ainda não concretizou sua análise sobre o tema. Todos os fundos e investidores que olham para o mercado esportivo estão atentos a isso, podendo criar uma nova corrida pelo ouro no esporte americano. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, com a certeza de que seguiremos num cenário de crescimento acelerado no esporte global.

Compartilhe